terça-feira, 19 de agosto de 2008

O Rei do Mar.

Em agosto deste ano completou um ano da morte de Dorival Caymmi. O pai da simplicidade na música brasileira despediu-se da densidade do corpo e da terra ao nascer do Sol de um sábado. Numa era de aparência, tresloucada vaidade, falso virtuosismo de uma geração auto-intitulada vanguardista, alheia ao que diz a sabedoria da tradição, Dorival pairava com suas canções sublimes, humildes, profundamente belas.

Suas cantigas recitam o que de sertânico tem no mar, a fé sincera e imensa de um povo; as sagas do pescador que tem no mar o símbolo da vida - o alimento, o perigo, a beleza, o mistério.

A cultura popular é a matéria prima do seu canto, no entanto, é inegável sua grandiosa autenticidade pela pureza e magia que carregam suas melodias, as quais vinham devagar ao mestre, como se fosse o próprio vento marítimo quem assobiasse. Ao mesmo tempo que Dorival é autêntico, todas suas canções são tão naturais que dão a impressão de já ter pertencido a realidade antes mesmo do mestre nascer, e assim, como um arqueólogo musical, apenas descortinava as canções que já estavam soltas no ar.

Como diria o poeta piauiense Mário Faustino: "repetir para aprender, criar para inovar". Dorival tinha essa consciência histórica, lia e admirava a tradição, absorvia esta ao seu espírito e a transformava de forma criativa, assim como faz todo mestre. Heitor Villa-Lobos, por exemplo, passou décadas viajando o país a contemplar a rica cultura nativa das terras tropicais, amalgamando esta arte à sua.

Os ritmos de suas cantilenas são variados, pois estão submissos ao que é anterior ao próprio ritmo: a cena. Não por acaso, Caymmi foi um excelente pintor. Os ritmos são narrativas honestas dos acontecimentos que Dorival cantava. Na música Canoeiro a intensidade do violão "copia" diretamente a cena de um canoeiro puxando a rede do mar com esforço. Na música O Vento é perceptível a mesma idéia, o assobio e a melodia parecem chamar o vento de fato, quem ouve a música tem a sensação de que a qualquer momento pode vir o sopro.

Em seus sambas se vê comparações de uma mulher com uma rosa, lamentos a uma menina que pintava o rosto e não o deixava natural como a beleza divina quis. É essa simplicidade a grande beleza de Dorival, característica tal que fazia Tom Jobim, um harmonizador complexo, tirar seu chapéu ao mestre, e Villa, um erudito de mão cheia, dizer para Dorival não se preocupar em estudar música nos moldes acadêmicos para não perder sua nobre essência.

Ser simples não é pra qualquer um.


Vítor Meireles